quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Selva X Praia - A "onda" da despersonalização




Participantes do BBB 12 que se denominam integrantes da "Selva"                                               




Cena do Filme "Die Wele" (A onda)










Primeiramente, para contextualizar o leitor a respeito do filme "Die Welle" ("A onda - em português), trata-se de uma experiência conduzida por um professor alemão que percebe, ao tentar ensinar conceitos de Autocracia para seus alunos, que esses não são capazes de perceber realmente o que se passou em períodos da história marcados pela dominação de um regime autocrático - como o próprio período de dominação nazista na Alemanha. Para que seus alunos sintam "na pele" o efeito da autocracia em um grupo que se sente favorecido por essa forma de poder, o professor determina que os alunos da classe constituam um único grupo, sem espaços para dissidência, e, como legitimação desse grupo, várias ações aparentemente insignificantes devem ser tomadas, como a existência de um cumprimento, o uso de uniforme e a criação de regras do grupo que devam ser obedecidas. Tal experiência produz resultados aparentemente positivos no grupo, porém, aos poucos, os membros do grupo vão se desprendendo de sua personalidade em nome de ideais do grupo, o que gera consequências graves para todos os envolvidos. Para quem se interessou pelo filme, segue um link para visualização do Trailer: http://www.youtube.com/watch?v=ZbyCJEIRBaA
Um aspecto abordado pelo filme e conhecido por estudiosos da dinâmica intergrupal é que um grupo de pessoas geralmente se une e passa a existir como um tal por conta de um objetivo comum. É exatamente isso que uniu os participantes dos grupos - Selva e Praia na décima segunda edição do Reality. Por força das circunstâncias, os participantes foram alocados em quartos diferentes, e passaram a discriminar semelhanças em suas trajetórias de vida, crenças e valores e, com o reforço do objetivo comum - derrotar outros candidatos para ser o grande vencedor do Reality Show - aos poucos, iniciaram o processo de grupalização, que é cada vez mais forte conforme avança o programa - o que, por sua natureza polêmica, é reforçado através de pequenos arranjos de contingências dispostos pela produção do BBB 12.
A discriminação das semelhanças entre os participantes de um grupo é um processo de extrema importância no processo de grupalização, o que, como todo processo de discriminação, prefere uma classe de estímulos enquanto pretere outra classe, simultaneamente. Ou seja, ao se identificar com os demais participantes de um grupo, uma pessoa identifica que estes possuem valores, crenças e experiências de vida muito semelhantes aos seus e, ao mesmo tempo, ignora ou pretere as diferenças e dissonâncias existentes entre si e os demais, embora se saiba que semelhanças e diferenças existem entre quaisquer pessoas e que cada ser é naturalmente particular, e peculiar. Esse processo permite a identificação dos membros do grupo, uns com os outros, e é extremamente importante para que haja motivação dos membros do grupo para o alcance do objetivo comum.
Conforme também ressaltado pelo filme, a grupalização pode produzir efeitos benéficos nos indivíduos que se unem por identificações e pelo objetivo comum. No caso do Reality,  é perceptível que os membros do mesmo grupo encontram uns nos outros o apoio em momentos difíceis, buscam conselhos e podem aprender uns com as experiências de vida dos outros. Em suma, o grupo torna a experiência do confinamento mais proveitosa, e mais leve. Entretanto, a grupalização passa a ser um processo maléfico a partir do momento em que ocorre a despersonalização dos indivíduos que o constituem - e passa-se a assumir, no lugar de identidades individuais, a suposta "identidade do grupo". Exemplos claros desse processo ocorrem quando os indivíduos tomam decisões com a justificativa de "Proteger a Selva" - decisões que, muito provavelmente, não tomariam sem ter a identidade do grupo como muleta, ou seja, os indivíduos tomam decisões pelo grupo e em nome do grupo - o que diminui a carga de responsabilidade ( e culpa) pelas consequências dessas atitudes. Outro elemento presente em situações em que a grupalização produz efeitos maléficos aos membros do grupo é a identificação intragrupal e diferenciação intergrupal. Ou seja, conforme já abordado anteriormente, os membros de um mesmo grupo intensificam a percepção das características comuns entre si e, concebendo-se como semelhantes, unidos e unificados, sentem-se especiais por sua unidade, e absolutamente distintos de quem não faz parte do grupo - distintos ao ponto de percebê-los como não-merecedores dos mesmos direitos e oportunidades. Exemplos históricos desse processo podem ser mencionados: o holocausto, o repúdio ao Eixo do Mal que culminou em diversas investidas dos EUA ao Iraque, o conflito milenar entre Israelitas e Palestinos. Obviamente, todos esses exemplos possuem diversos outros determinantes mas a identificação intragrupal e a diferenciação intergrupal ajuda a explicar, em grande parte, as atrocidades cometidas entre seres humanos nesses e em muitos outros momentos vexaminosos pelos quais já passou a nossa sociedade.
Logo no início do filme, o professor faz uma pergunta crucial: "Vocês acreditam que a ditadura poderia voltar a acontecer?" Ao que é respondido, por um aluno, de forma categórica: "Claro que não, somos muito educados para isso". Ao que parece, a facilidade com que o ser humano é capaz de se despersonalizar para justificar ações imorais e, muitas vezes, atrocidades, indica que "educação", pelo menos como a conhecemos atualmente, não é suficiente. É preciso autoconhecimento e autocrítica, dos quais, infelizmente, ainda estamos imensamente distantes.

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