sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Sexualidade X sexualização na construção da personalidade infantil




















Conforme prometido no post anterior: É isso aí e ponto final - uma questão de opinião (Se você não leu o post, acesse: ://psicotidianoeetc.blogspot.com/2012/02/e-isso-ai-e-ponto-final-uma-questao-de_14.html) eu gostaria de fazer alguns comentários sobre a profunda diferença (que, quase sempre, é ignorada) entre sexualidade e sexualização infantil, relacionando essa discussão com uma análise do filme Confi@r (para assistir ao Trailer do filme, acesse http://www.youtube.com/watch?v=lf09c7pJb80).
Como já dito, o filme se trata basicamente da estória de uma garota de, aproximadamente, 13 anos que ganha seu primeiro computador como um presente de seus pais, os quais acreditavam que pelo seu comportamento excelente poderiam "confiar" nela. Através de chats, a garota conhece Charlie, que se apresenta como um garoto de 15 anos jogador do time de basquete, mas, na verdade, trata-se de um pedófilo que seduz a garota e dela abusa sexualmente. Um dos grandes méritos do filme, em minha opinião, é que ele não apresenta a realidade do abuso sexual infantil de forma maniqueísta, ou seja, ele demonstra de forma clara que a garota se sente atraída pelo abusador, chegando a se apaixonar por ele. Ela só percebe o que realmente aconteceu algum tempo depois, tendo também descoberto que Charlie sempre se utilizava dos mesmos artifícios para seduzir garotas como ela.

No entanto, para a grande maioria dos espectadores, esse mérito foi interpretado ora como um insulto, ora como uma expressão de que, hoje em dia, as crianças não possuem mais inocência, que as garotas provocam seu próprio abuso através de comportamentos depravados. Resta saber o que tais comentários têm a dizer sobre o fato de que mais de 60% dos casos de abuso sexual infantil são cometidos por pessoas muito próximas da vítima - ou seja, familiares e amigos de grande confiança da família. Será que essas crianças e adolescentes são culpadas pelo abuso cometido por alguém em quem elas confiavam tão profundamente e em quem, em muitas situações, confiaram a própria vida? 
Apesar de amplamente difundidas, as idéias de Freud sobre sexualidade infantil ainda são muito pouco compreendidas e, muitas vezes, são concebidas de forma equivocada e parcial. Desde o século XIX, com ênfase para a publicação de "Os três ensaios sobre a teoria da sexualidade", Freud atentou para a existência da sexualidade infantil, para o desejo que a criança sente em possuir a mãe, em torná-la objeto de seu desejo. A criança possui zonas erógenas, sente prazer com seu próprio corpo e a sexualidade faz parte de todo o desenvolvimento humano, desde o nascimento, a amamentação, a adolescência, até a morte. Para a época, a teoria de Freud sobre sexualidade infantil foi considerada imoral e desrespeitosa, o que, atualmente, parece um grande absurdo. No entanto, ao ler comentários como esse, é possível que se perceba o quanto informações (com propósitos duvidosos) escancaradas sobre sexo e a maciça sexualização de gêneros, em todas as idades, não produzem conhecimento nenhum sobre sexualidade, e muito menos um autoconhecimento nesse quesito.
Obviamente que as crianças de "hoje em dia" são muito diferentes das crianças de "antigamente". Antigamente, a grande sensação era a boneca Barbie. Atualmente, as bonecas virtuais de RPGs femininos como o Missbimbo propões as seguintes missões às garotas: fazer cirurgia plástica facial, colocar silicone e arrumar um namorado cada vez mais rico, conforme se passa de nível no jogo.
Post do chat do jogo Missbimbo demonstrando a diferença da boneca antes e depois da cirurgia facial e do silicone nos seios

A questão é que a sexualidade existe em todos as etapas da vida, e não possui nenhuma relação com inocência (ou falta de) - cá entre nós, a associação entre sexualidade e culpa, ou falta de inocência é algo que, infelizmente, nós mesmos é que incutimos nas cabeças de nossas crianças e, "graças" a isso, geramos adultos insatisfeitos ou obcecados pela sexualidade em suas diversas expressões, como, por exemplo, a forma física - cultuada e exigida mesmo na mais tenra infância. Aliás, a sexualização (e NÃO sexualidade) que, muitas vezes, é apresentada de formas tão "inocentes" como concursos de beleza infantil, e a forma como os padrões de "certo" e "errado" sobre o que é ser bonito - e aceito - em nossa sociedade, é que gera efeitos de grandes proporções na personalidade da criança, na forma com que essa se relaciona com os demais e com sua própria sexualidade. 
A investida sexual de um adulto, com maior grau de conhecimento e recursos, com o propósito de seduzir uma criança que, por seu menor grau de conhecimento  e recursos, é considerada inferior ao adulto nessa relação, não pode NUNCA deixar de ser considerado um abuso. Ademais, é de extrema importância que os pais, educadores e todos que convivem e fazem parte do processo educativo de nossas crianças estejam atentos às muitas formas de abuso existentes por aí, ou seja, às formas de comunicação e transmissão de informação que as tornam objetos e que, por suas consequências na construção da personalidade infantil, podem impedir que, algum dia, elas tornem-se Sujeitos de sua própria existência.



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